23 de novembro de 2012

(... continuação) Em algumas dessas conversas de sofá, saiu a típica pergunta: se você pudesse ter qualquer coisa no mundo, o que gostaria de ter? A maioria queria ter outro corpo, ou muito dinheiro. A resposta de Verônica me chamou a atenção. Eu quero ter um hipnotizador pessoal, disse, um"hipno", existem, juro que existem. Um cara que me hipnotize nas horas monótonas, que me acorde só para os momentos de ação, que me anule o tempo morto. Isso é o que queria Verônica, alguém que lhe editasse a vida. Perguntaram para ela como seria, e ela explicava que o hipnotizador teria que fazê-la dormir, por exemplo, antes de sair de viagem a Paris. Ele a subiria adormecida no carro, a levava até o aeroporto, faria os trâmites, a colocava no avião e a acordava um tempo durante o voo para comer; depois a adormecia de novo e a despertava no táxi, nas ruas de Paris, rumo ao hotel. Tinha que ser um sujeito forte para poder carregá-la nos braços. Me surpreendeu a expressão "tempo morto". Escutei ela falar aos seus amigos cineastas, mas eu não entendia tudo o que ela queria dizer. E me fez lembrar uns vizinhos numa barraca na praia de Pinamar: dois casais que jogavam bridge depois do meio-dia, jogavam por horas na sombra, até que um dos homens olhava o relógio e dizia: "Ui, já são seis horas. Matamos a tarde!". Batia palmas ruidosas e esfregava as mãos porque a tarde tinha morrido; eles a tinham matado. A idéia de Verônica também era matar o tempo, matar o tempo morto. Ela tinha intolerância ao tempo real. Não suportava o tempo que mediava os momentos supostamente relevantes de sua vida. Não suportava o tempo morto frente ao semáforo ou em salas de espera ou na fila. Os momentos em que não acontece nada. Quando chegou minha vez de dizer o que eu queria, pensei que queria ter a Verônica, mas não disse isso. Não me lembro com o quê consegui me safar. Também não sei se foi nessa mesma noite que consegui beijá-la. Lembro que caminhamos pela Galileo até nos sentarmos na escadaria da Plaza Mitre e, como eu tinha tomado muita cerveja, me animei. Mas era difícil. Me escapava. Como se não estivesse ali. Vivia defasada do presente, um pouco acelerada rumo ao futuro, sempre pensando em algo de bom que aconteceria depois, me falando disso, de uma festa, de um filme essa noite, algo que iam filmar, uma roupa que os pais trariam de Nova York, sempre nesse declive, caindo para adiante. Eu ia com frequência na casa dela. Às vezes estavam Pablo e Fabiana vendo filmes. Um sábado de noite convidei Verônica para ir a San Telmo beber algo, mas me disse que estava cansada. Pouco depois apareceram Pablo, Fabiana e uns amigos de Porto Rico que queriam sair para dançar salsa. Trouxeram rum La Negrita e misturaram com Coca-Cola. Eu via que Verônica se preparava para sair, muito divertida, e eu me botei a tomar rum. Um copo depois do outro. Ela queria que eu fosse com eles, mas eu, doente de literatura, preferia a tristeza do perdedor. Acabei tocando a campainha as quatro da manhã, totalmente bêbado, dizendo que eu queria ser seu hipnotizador pessoal. E ela nem estava lá. O guarda do térreo, que já me conhecia, me chamou um táxi e me mandou pra casa. Eu escrevia coisas para Verônica. Poesia. Uma vez fomos ao cinema de madrugada, depois beber algo, depois caminhamos e, em um quiosque, comprei o diário La Prensa recém saído para mostrar que, no suplemento cultural, tinham publicado um poema meu dedicado a ela. Não me sobrava mais nenhum ás na manga e eu ainda não tinha conseguido passar dos primeiros beijos. Eu disse que gostava dela e ela me disse que eu era " um cara muito intenso". Desde então, esse adjetivo - aplicado a qualquer coisa - me dá um pouco de vergonha. Uma tarde subi pedalando a ladeira da Galileo. O guarda do edifício me disse: Que tá fazendo, Pedrinho? A Verônica não tá... Cara, o outro sujeito, o de cabelo comprido... Quem, o Pablo?, eu disse. Sim, te ganhou essa. Fica aqui pra dormir e tudo mais. Outro dia eu tirei as caras com a Verônica, viu só, perguntei, "com qual você fica, com o de cabelo comprido ou com o Pedrinho?", e ela me respondeu, "com o de cabelo comprido". Me despedi dele com um sorriso bastante digo, considerando que acabavam de partir meu coração. O guarda tinha me dito a verdade, assim, dura e direta. Eu o odiei, mas hoje acho que me fez um favor, porque, do contrário, eu teria continuado dando voltas e ficado cada vez mais envolvido. Voltei caminhando ao lado da bicicleta, sem montar. Tinha vontade de ir arrancando minha roupa e me jogar pelado no meio da rua. Não sei se foi exatamente esse dia, mas a bicicleta foi parar no depósito. Não voltei mais a essa oficina literária, nem voltei a ver Verônica. Soube, por um amigo de um amigo, que se casou e vive nos Estados Unidos. Um par de anos atrás, eu escrevi um conto curto tendo ela como personagem. Tenho que corrigi-lo. O narrador era o hipnotizador, o encarregado da feitiçaria quando ela se entediava. Ele ia contando o que tinha feito essa tarde. A história se passava no México porque parecia que ficava melhor. E ele falava da "menina". "Às duas, a menina me pediu que eu a adormecesse e a levasse a uma festa em Cuernavaca", Então, eu contava como a fazia adormecer na cadeira, a punha no carro e sentava frente ao volante para dirigir lentamente. Ela, adormecida no banco de trás, ele fumando, com a janela aberta. Descrevia a viagem e como, pelo caminho, era possível enxergar uma tempestade de verão que se aproximava, e depois chovia e caía granizo. Era narrado no presente, vivendo o tempo morto que ela não queria viver. Então chegavam de noite a Cuernavaca e, umas quadras antes, o hipnotizador acordava "a menina". Contava que tinha chovido granizo e ela ficava braba porque ele não a tinha acordado para ver isso; teria gostado de ver granizo. A menina o repreendia muito e saía do carro rumo à festa, batendo a porta. Ele estava apaixonado por ela.

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