21 de novembro de 2012

O hipnotizador pessoal

Pedro Mairal - Tradução de Antônio Xerxenesky. Há dez anos, em uma oficina literária, conheci uma garota que tinha muita grana. Melhor dizendo, seus pais tinham muita grana. Não se chamava Verônica, mas vou chamá-la de Verônica por discrição, embora ela não more mais na Argentina. Verônica escrevia contos que se passavam em Paris, em Nova York, em Amsterdã, com personagens que eram sempre convidados a grandes festas. A oficina ficava na rua Callao com a Córdoba, e na saída eu a levava na minha bicicleta até Las Heras. Não nos dávamos conta de como era perigoso, ou talvez sim, e isso nos divertia. Uma vez, um ônibus 60 quase nos esmagou; foi por pouco. Eu freava apertando o pé contra a roda. Às vezes nos metíamos em livrarias e ela comprava um livro, mas depois, quando eu perguntava se ela tinha gostado do livro, me respondia que não tinha lido. Não gostava muito de ler. Encontrava-se o tempo todo com ex-colegas do colégio e depois me falava mal delas. Vivem numa bolha, me dizia, estão sempre falando de ir esquiar ou de Punta del Este, não se dão conta de que as coisas vão um pouco mais além. Como costuma acontecer, Verônica desprezava as pessoas parecidas com ela. Lembro de que ela tinha cabelo liso, principalmente disso. Era mais lisa do que linda. E me lembro de seu cheiro de shampoo, quando ia sentada no quadro da bicicleta. Sem que eu sequer a tenha beijado, ela me incitava e me desprezava, ia alternando entre essas duas atitudes com sutileza, me mantendo afastado, mas, ao mesmo tempo, ao alcance da mão. Se ela tivesse me pedido, eu a teria levado pedalando até o Brasil. Em uma dessas voltas, me convidou para ir a casa dela na rua Galileo, porque iam seus amigos do cinema (estudava cinema em um instituto no centro). Anda, venha, não me presto a esperar sozinha, me disse. Chegamos e nos abriu a porta da rua um guarda de segurança, de uniforme cinza. Era um dos poucos edifícios em Buenos Aires que, nessa época, já tinha segurança privada 24 horas. Subimos. O apartamento era enorme, decorado com poltronas brancas e tapetes. Ela vivia sozinha porque seus pais sempre estavam em lugares exóticos do mundo. Tinha uma empregada velha dando voltas pela cozinha, com a qual tinha discussões ferozes que a envergonhavam. Em meia hora, me mostrou sua câmera nova, me mostrou fotos de uma viagem a Índia, me mostrou algo no computador que eu não entendi até anos depois, quando se popularizou a Internet, pôs um CD em um equipamento super Hi-Fi, deu voltas pelo apartamento, me mostrou a arma do pai, comemos sorvete, e aos poucos foram chegando os amigos. Eram mais ou menos da nossa idade. Tinha uma das garotas que se chamava Fabiana e um cara de cabelo comprido que se chamava Pablo, que eu pensei que eram namorados, porque se massageavam no sofá. Todos pareciam estar muito habituados ao lugar, se jogavam no living sem problema, abriam a geladeira e pediam sucos para a empregada. Observei-os várias vezes e fui mimetizando essa atitude de confiança. Ali faziam a sua base e depois se mandavam para outras festas, em outras casas. Eu fui só uma vez a uma dessas festas, onde fizeram o mesmo, apenas com outras pessoas e com outra marca de cerveja: sentaram e falaram da festa que iriam depois. O melhor, a festa ideal, sempre estava em outro lugar. (continua...)

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